Discografia Comentada - Mastodon

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Texto publicado originalmente no site Consultoria do Rock

O Mastodon, como o nome sugere, é um gigante. Dá pra afirmar sem medo que a banda de  Atlanta criada em 1999 é a melhor e mais relevante do  cenário Heavy Metal dos últimos 15 anos. Formado por Brent Hinds (Guitarra e Vocais), Troy Sanders (Baixo e Vocais), Bill Kalliher (Guitarra e Vocais) e Brann Dailor (Bateria e Vocais), o grupo não tem medo de inovar. Ouvir sua discografia na sequência é uma viagem, e um álbum é completamente diferente do outro. É uma das poucas bandas que mantém o gênero indo pra frente e com sobrevida. Ao contrário de alguns nomes que apenas tentam emular a sonoridade do passado, o quarteto consegue absorver todas as suas influências e ao mesmo tempo acrescentar outros elementos e muita personalidade, que somados à qualidade de composição e execução dos músicos, torna seu som incomparável. Sludge, thrash, death, hard rock, stoner, psicodelia e rock progressivo. É possível encontrar tudo isso no riquíssimo universo sonoro do Mastodon. Venha conhecer o trabalho dos caras nessa Discografia Comentada. Garanto que ao final da leitura você vai ganhar uma nova banda favorita.



 Lifesblood (EP) [2001]
O EP de estreia do Mastodon traz um sludge bem direto e visceral, com riffs agressivos, vocais urrados e até um flerte com o death metal. O que chama atenção aqui é a performance do monstruoso batera Brann Dailor, que consegue encaixar uma infinidade de viradas e quebras de andamento em meio aos riffs da dupla Hinds/Kalliher. Uma curiosidade: Todas as faixas têm uma introdução com trechos de diálogos de filmes, como Um Estranho no Ninho e O Julgamento de Nuremberg. Está longe de ser o Mastodon em sua melhor forma, mas como primeiro registro já mostra uma banda com muita personalidade, crueza e garra.
 Remission [2002]
No já longínquo ano de 2002, o cenário da música pesada estava bastante confuso. Enquanto alguns grupos consagrados como Iron Maiden e Metallica ensaiavam um retorno, o mainstream era dominado pelo tão falado nu metal, e do outro lado, o power metal (ou metal melódico) se alastrava. Foi em meio a essa bagunça que o Mastodon lançou seu primeiro full length. Os membros afirmavam que pretendiam ter um disco dedicado a cada um dos quatro elementos. Remission seria o representante do fogo. Apesar de não ser um álbum conceitual, algumas faixas remetem à essa temática. Na questão sonora, temos um sludge pesadíssimo, da escola Crowbar e Eyehategod, com riffs lamacentos, mesclado à complexidade técnica de bandas como Dillinger Escape Plan e Converge. Mesmo mantendo a agressividade do EP Lifesblood(2001), o disco já mostra algumas nuances que o quarteto passaria a explorar em seus próximos trabalhos, como faixas mais longas e passagens melódicas e atmosféricas. E são justamente essas canções que se destacam e provam que o Mastodon é mais do que apenas uma banda barulhenta. É claro que a porradaria de “March Of The Fire Ants”, “Crusher Destroyer” e “Burning Man” estão longe (muito longe, aliás) de serem ruins, mas não são tão interessantes quanto as músicas mais experimentais. “Ol’e Nessie”, por exemplo, abre com uma guitarra psicodélica que é logo acompanhada de baixo e bateria. As belas melodias criam uma atmosfera viajante, cortada por um riff poderoso e os berros de Troy Sanders. “Trainwreck” segue a mesma linha, com as guitarras dobrando a melodia, e no final os riffs abrem caminho para os vocais agressivos e a bateria insana. O instrumental “Elephant Man” encerra os trabalhos de maneira contida, mostrando o lado mais laid back dos caras. O maior destaque do disco é o baterista Brann Dailor, um monstro incansável em todas as faixas. Se alguém que nunca ouviu o Mastodon começar a ouvir sua discografia pela ordem cronológica, pode se assustar com Remission, já que ele não representa a sonoridade que marcaria a banda anos depois, mas fica como um registro bruto, sincero e bastante promissor.

Leviathan [2004]
Se com o seu disco de estreia, o Mastodon se mostrou uma revelação, com Leviathan eles se afirmaram como realidade. Uma das tarefas mais difíceis de uma banda é passar no teste do segundo disco, ainda mais quando a estreia é bem recebida. E o Mastodon cumpriu esse objetivo com louvor.Leviathan é um álbum conceitual inspirado no romance de Herman Melville, Moby Dick, e seguindo a mitologia do grupo, representa o elemento água. Musicalmente, a banda continua apostando num som bastante direto, mas acrescenta alguns toques de rock progressivo e melodias, apimentando seu sludge característico, e deixando as composições ainda mais interessantes. Mas isso não significa que tiraram o pé do acelerador: A agressividade respinga para todos os lados, apenas mais diluída entre as faixas. O guitarrista Brent Hinds passa a dividir os vocais com Troy Sanders, e aparece nos momentos mais melódicos, enquanto o baixista fica responsável pelas partes agressivas. Sua presença é mais evidente na cadenciada ”Seabeast”. O trabalho de guitarras também é uma evolução perceptível. Se em Remission a dupla Hinds/Kaliher apostava em palhetadas violentas, aqui eles alternam entre riffs grudentos, passagens atmosféricas, e licks de guitarras gêmeas. “Blood and Thunder”, a primeira faixa,  talvez seja o mair clássico da banda, com seu riff marcante e Dailor entrando com uma virada inacreditável. “Iron Tusk” abre com as sempre ignorantes viradas de Brann Dailor e é sem dúvida a mais pesada do disco, com um timbre de guitarra gravíssimo e não deve em nada pra qualquer banda de thrash metal. “Megalodon” é um exemplo de composição com várias mudanças climáticas, que seriam exploradas posteriormente, ao lado de “Hearts Alive” , de treze minutos, que já mostra as novas influências de rock progressivo, sem perder o vigor. “Joseph Merrick”, marca o início de uma tradição que seria mantida em alguns dos discos seguintes, de encerrar a tracklist com uma faixa instrumental. Leviathan representou uma mudança bem grande em relação a Remission (2002), e tornou o Mastodon uma banda de reconhecimento no cenário do heavy metal. Com dois discos de altíssima qualidade na conta, eles ganharam um contrato com uma major, o que causou arrepio em alguns por medo de a banda tornar-se mais acessível. Dois anos depois, o grupo surpreenderia, sim. Mas de maneira positiva.




Blood Mountain [2006]
Em 2005, de contrato assinado com a Warner, o Mastodon poderia ter ficado na zona de conforto e continuar apostando na sonoridade de Leviathan, ou aproveitar sua entrada em um selo grande para aumentar o alcance de público e gravar um trabalho mais acessível. Mas longe disso, eles seguiram expandindo seus limites.Blood Mountain é mais um disco conceitual, dessa vez com uma história criada pela própria banda. O elemento representado é a terra. O roteiro é o seguinte: Um herói é escolhido pelos deuses para subir uma perigosa montanha e encontrar uma caveira de cristal, e no caminho deve passar por criaturas fantásticas como homens-árvore, gigantes adormecidos, um ciclope chamado Cysquatch e o Deus Gelo. Diz-se que a história seria uma metáfora relacionada ao próprio Mastodon, na qual a banda seria o herói, a Warner a montanha e a caveira de cristal o reconhecimento pelo trabalho. Segundo Troy Sanders, “O disco fala sobre escalar uma montanha e a variedade de coisas que podem acontecer com você quando está perdido num lugar desse. Você está com fome, alucinando, encontrando criaturas estranhas. Está sendo caçado. É sobre toda essa luta”. Apesar de tudo isso ser muito interessante e contribuir ainda mais para o rico universo do grupo, o que conta é a música. Se antes o quarteto já tinha alguns flertes com o rock progressivo, aqui foi que se concretizou o casamento. Além das influências de nomes como Genesis e Rush nas composições, o instrumental é ainda mais intricado. Todos os músicos brilham e demonstram sua musicalidade e virtuosismo de forma plena, mas de maneira nenhuma deixando isso prevalecer sobre a qualidade das canções. O trabalho de guitarras sofre mudanças mais uma vez. Dessa vez, os riffs e licks são mais diversificados, bebendo menos na escola Black Sabbath e Crowbar e mais na fonte do Wishbone Ash, King Crimson e até de power metal, investindo também em texturas bem trabalhadas, típicas do prog setentista, mas claro sem deixar a distorção e agressividade de lado. Já os solos, que não eram uma característica forte do som mastodôntico, começam a dar mais as caras, e sempre muito bem colocados, como em “Crystal Skull” e “Colony Of Birchmen”, músicas que contam com as participações de Scott Kelly, do Neurosis – uma das maiores influências da banda – na primeira e Josh Homme (QOTSA), fã declarado da banda, na segunda. O vocalista Cedric-Bixler Zavala do The Mars Volta, aparece em “Siberian Divide”. Brann Dailor continua a brilhar, aperfeiçoando cada vez mais seu estilo, que une a precisão do rock progressivo, as quebras de andamento do jazz fusion e a agressividade do thrash metal. Só a introdução de “The Wolf Is Loose” já bastaria para colocá-lo entre os melhores bateristas dos últimos anos. Apesar da musicalidade mais complexa, o uso de melodias é ainda maior do que no disco anterior, com Troy Sanders diminuindo a agressividade de seus vocais em alguns momentos (“Hunters Of The Sky”) e Brent Hinds aparecendo praticamente como um segundo vocalista. A diversidade do álbum é impressionante.  “Sleeping Giant” é a mais viajante, num estilo de composição que já se tornou marca registrada do grupo. “Capillarian Crest” soa como um casamento entre o Yes e o Metallica. E como já é de praxe, o disco fecha com um instrumental,  “Pendulous Skin”, que conta com um belíssimo e longo solo de guitarra de Hinds. Cercado de muita espera após o sucesso de “Leviathan” e “Remission”, o álbum superou as expectativas e colocou de vez o Mastodon entre os gigantes do gênero.

Crack The Skye [2009]
Após três discos de altíssimo nível, o que esperar do Mastodon? Até aqui os malucos de Atlanta mostraram-se extremamente inquietos e sempre em busca de evoluir sua sonoridade. E após atingir um status de banda gigante com Blood Mountain, eles resolveram continuar mudando. Crack The Skye mantém as influências progressivas de seu antecessor, dessa vez mais na construção climática das músicas do que na complexidade instrumental. Seguindo a tradição, o álbum também é conceitual e conta a seguinte história: Um garoto paraplégico encontra uma maneira de se locomover  através de viagens astrais, em que ele sai de seu próprio corpo. Em uma dessas jornadas, o sujeito vai até o espaço e chega perto demais do Sol, queimando seu cordão umbilical dourado e ficando à deriva. Solto no espaço, ele é sugado por um buraco de minhoca que o leva a um reino espiritual, onde conversa com os espíritos e diz não estar morto. Eles decidem ajudá-lo e o mandam sua alma para a Rússia Czarista, encarnada no corpo de Rasputin. Quando Rasputin é assassinado, sua própria alma e a do garoto atravessam uma brecha no céu (Crack in The Sky), e a alma de Rasputin tem a missão de guiar a da criança de volta para o seu corpo, já que a essa altura seus pais o descobriram e acreditam que esteja morto. O nome “Crack The Skye” é um trocadilho com a palavra “céu” e o nome da irmã de Brann Dailor (Skye), que se suicidou quando tinha 14 anos, e a faixa-título é dedicada à ela e tem mais uma vez a participação de Scott Kelly do Neurosis, que além dos vocais, ajudou na letra. As melodias que já vinham sendo um tempero a mais desdeLeviathan (2004), definitivamente ganham força. Mas talvez a mudança mais sentida seja nos vocais. Troy Sanders abandona de vez seu urro agressivo em função de linhas vocais mais melódicas. O baixista que sempre foi o principal vocalista do grupo, agora divide permanentemente o microfone com Brent Hinds. E pela primeira vez, Brann Dailor também aparece cantando em duas faixas. “Oblivion” que abre o disco, representa bem essa alternância de vozes, com Dailor e Sanders fazendo os versos e Hinds o refrão, que aliás é um dos mais grudentos da banda, e representa o clímax após uma introdução viajante e versos pesados, com os riffs de guitarra ditando o ritmo. O solo de Hinds, melódico e atmosférico é de arrepiar. A evolução do cara como músico é perceptível. Se essa faixa não te ganhar, é bem possível que “Divinations” consiga. Uma intro no banjo inicia os trabalhos, que é seguido por uma guitarra em looping, bem típica do Mastodon. O refrão não é menos cativante. Quem sentia falta das composições mais longas, Crack The Skye nos brinda com a suíte “The Czar”, dividida em quatro partes, que traz uma overdose de riffs, psicodelia, passagens melódicas e viajantes, e um belíssimo solo de guitarra. Tudo isso em quase 11 minutos de delírio musical. Como se não bastasse, o disco fecha com “The Last Baron”, uma declaração de amor de 13 minutos ao rock progressivo setentista. Pela primeira vez, a banda quebra a tradição de ter um álbum dedicado a um dos elementos naturais, mas em entrevista os membros afirmaram que Crack The Skye representa o éter. Apesar de não fechar o “ciclo” dos quatro elementos, por não ter nenhum disco representando o ar, Crack The Skye marca o fim de um período do Mastodon, e isso só ficaria claro com o seu disco seguinte, dois anos mais tarde.

Mastodon-The_HunterThe Hunter [2011]
A essa altura, o Mastodon poderia ter encerrado as atividades e teria uma discografia impecável na conta e um dos trabalhos mais geniais e criativos do século, dentro do heavy metal. Mas, felizmente, eles só não acabaram como conseguiram se reinventar novamente e de maneira impressionante. É preciso muitos culhões para uma banda conhecida por seus discos conceituais, temas complexos e musicalidade intrincada deixar tudo isso para trás, e simplesmente se focar em canções mais simples e melodias cativantes. E foi exatamente que o Mastodon fez em The Hunter. O nome é uma homenagem ao irmão de Brent Hinds, que morreu durante uma caçada, na época da gravação do álbum. Pela primeira vez desdeRemission (2002), o grupo não lança um trabalho conceitual, e deixa de lado as influências progressivas para mostrar também sua admiração pelo rock alternativo, o heavy metal e o stoner. As faixas, que sempre foram bem longas, dessa vez se mantém na média dos 4 minutos. A construção das músicas, que contava com várias mudanças de andamento e variações climáticas dão lugar a dinâmica clássica de introdução/verso/refrão. A mudança já é sentida de cara na primeira faixa, com um solo de guitarras gêmeas da melhor escola Thin Lizzy. “Curl Of The Burl” começa com um riff musculoso, lamacento e é sem dúvida a mais acessível do álbum, com refrão grudento e as harmonias vocais de Sanders, Hinds e Dailor. Apesar do começo arrebatador, a poeira começa a baixar a partir da quarta faixa, “Stargasm”, com aquela atmosfera viajante que a banda sempre soube fazer muito bem. O clima espacial se mantém em “Octopus Has No Friends”, – com Dailor participando mais uma vez dos vocais- “All The Heavy Lifting”, e na faixa-título, que traz um solo psicódelico maravilhoso de Brent Hinds. A “Creature Lives”, é a estreia de Brann Dailor como compositor e também a primeira faixa em que ele canta inteira sozinho, e lembra bastante o material mais experimental do Black Sabbath. O stoner de “Spectrelight” conta mais uma vez com os vocais rasgados de Scott Kelly, e guitarras gêmeas duelando. A bonita “The Sparrow” com seu maravilhoso solo fuzzeado fecha a conta, e encerra tudo com a frase “Pursue happiness with diligence” (Persiga a felicidade com afinco). The Hunter fez alguns fãs mais puristas torcerem o nariz, mas provou mais uma vez versatilidade do Mastodon e que a banda não tem medo nenhum de experimentar algo mais acessível sem deixar de lado suas características marcantes.


Once More ‘Round The Sun [2014]
Se a mudança do Mastodon para um som mais acessível em The Hunter(2011) assustou algumas pessoas, esse baque foi ainda maior no recém lançado,Once More ‘Round The Sun. O disco é ainda mais direto, com composições simples no formato canção, riffs fortes, solos de guitarra grudentos e refrãos ganchudos. Brann Dailor que vinha ganhando espaço como vocalista, agora assume definitivamente o papel, e toma conta do álbum, cantando em 8 das 11 faixas. Sua voz mais melódica e limpa combina perfeitamente com o novo momento do Mastodon. Não há mais vestígios dos vocais agressivos de Troy Sanders, que parece estar cada vez mais dominando sua voz. Brent Hinds que tem um timbre bem parecido com o de Zakk Wylde, também deu uma suavizada. A faixa-título inclusive lembra um cruzamento do Black Label Society com o Monster Magnet. Sua parceria nas seis cordas com Bill Kalliher segue forte e inspirada, e os solos só melhoram a cada disco. É impressionante como Hinds se mostra versátil, utilizando de riffs lamacentos, psicodelia e toques de hard rock setentista. Além do tradicional sludge, a banda incorpora influências de Alice in Chains e Deftones, principalmente, deixando mais uma vez de lado os elementos de rock progressivo. Mesmo mudando e adaptando sua sonoridade, o modo de compor e alternando os estilos, o Mastodon ainda consegue soar como o Mastodon. O grupo conseguiu tornar seu trabalho muito mais acessível e ainda assim manter algumas das características que fizeram seu nome. A trinca que abre o disco é pra ganhar definitivamente o ouvinte. Os primeiros acordes de “Tread Lightly” dão entender que vem uma psicodelia braba pela frente, mas logo vem a típica dobradinha riff de guitarra/virada de bateria e estamos diante de um Mastodon puro. Pesadíssimo e com momentos que remetem ao rock alternativo dos anos 90. A grudentíssima “The Motherload” traz Dailor comandando os vocais, e tem o refrão mais memorável do ano. É talvez a faixa mais “pop” de toda a carreira da banda. Na sequência vem o single “High Road”, que havia sido divulgado antes do lançamento do disco, e sem dúvida um grande destaque, com mais um refrão de ficar na cabeça por dias. “Asleep in The Deep” tem participação de Valient Himself do Valient Thorr e o tecladista Ikey Owens do The Mars Volta, e poderia estar facilmente em Leviathan (2004) ou Blood Mountain (2006).  As meninas da banda The Coathangers também dão uma canja em “Aunt Lisa”. Para quem sente falta das faixas mais épicas, “Diamond in The Witch House” está aí para tapar esse buraco, encerrando o álbum com seus quase 8 minutos, e como já é de praxe, tem a participação de Scott Kelly. Once ‘More Round The Sun,mostra que o Mastodon não tem nenhuma preocupaçãoem agradar um nicho de fãs, e está sempre procurando amadurecer e buscar novos direcionamentos, e por isso carrega hoje ao lado de alguns outros poucos nomes, o título da maior e mais importante banda de heavy metal. A pergunta que fica agora é: O que esperar dos próximos trabalhos? Não dá pra saber. Que eles nunca parem de surpreendem e continuem nos presenteando com trabalhos de tão alto nível. Essa inquietude e sede de mudança, que a banda tem de sobra, é uma injeção de ânimo no gênero, algo que ele carecia há muito tempo.

Playlist TF - Free

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A década de 70 foi tão produtiva e o rock se desdobrou em tantos gêneros e subgêneros que algumas bandas ficaram difíceis de classificar. O grupo inglês Free, foi jogado no balaio do Hard setentista, e por isso muitas vezes o fã do estilo torce o nariz quando ouve o som pela primeira vez, já que está longe da quebradeira de um Grand Funk Railroad o um Cactus ou do proto-metal místico de Rainbow e Blue Öyster Cult. O som do Free é mais domado, malemolente. Recheado de balanço e malícia. A cozinha  formada pelo prodígio Andy Fraser e o competente Simon Kirke é puro groove, sem distorção no baixo  ou viradas insanas de bateria. O primoroso guitarrista Paul Kossoff não toca riffs ou solos faíscantes. Sua pegada é mais sutil. É como se ele acariciasse a Les Paul levemente distorcida. O lendário Paul Rodgers tem uma bela voz rouca e grave, diferente dos agudos estridentes que tomavam conta do rock da época.

O Free consagrou-se com seu terceiro disco Fire and Water de 1970, mas as vendas irregulares, brigas entre integrantes e problemas com drogas levaram ao fim da banda duas vezes, com uma tentativa fracassada de retorno em 1973 e a ruptura definitiva no mesmo ano. Em 1975, uma complicação devido ao uso de drogas interrompeu precocemente a vida de Kossoff, um dos guitarristas mais promissores de sua geração. Ele tinha apenas 25 anos. Andy Fraser teve alguns discos solos, ao longo do tempo, mas nunca alcançou o mesmo sucesso, apesar de ter sido um baixista talentoso e extremamente influente. Ele faleceu em março deste ano, de AIDS, aos 62 anos. Paul Rodgers e Simon Kirke e Paul Rodgers formaram o Bad Company ainda nos anos 70, além de participarem de outros projetos, mantendo-se na ativa até hoje.

Essa playlist traz 20 faixas para conhecer o maravilhoso trabalho do Free, uma banda de certa forma ainda subestimada. Enjoy!



EC Comics, um dos pilares do entretenimento fantástico

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Você pode até estranhar o nome, mas com certeza não ficou imune à influência que essa editora teve no entretenimento fantástico e cultura pop nos últimos 60 anos. Em 1947, William Gaines, regresso da Força Aérea assumiu a empresa depois que seu pai Max, o fundador, faleceu em um acidente de barco. A princípio, o objetivo da editora era publicar histórias educativas sobre ciências e versões em quadrinhos de passagens da bíblia. Quando William assumiu as rédeas, a Educational Comics mudou para Entertaining Comics, dando início a sua fase áurea.

Grande parte do consumidor de quadrinhos da época era formado por jovens adultos, e esse público estava regressando da Segunda Guerra. As histórias de super heróis, mocinhos contra bandidos, recheadas de maniqueísmo não faziam mais a cabeça e os veteranos que haviam sido preparados para serem máquinas de matar nos campos de treinamento, voltavam para casa sedentos por HQs mais violentas, assustadoras e com referências sexuais. Gaines, resolveu então experimentar e investiu em uma série de histórias com temática de terror, ficção científica, guerra e crime. A trinca Tales From The Crypt, The Vault Of Horror e The Haunt Of Fear foi a mais consagrada, trazendo histórias de terror, com uma linguagem ácida, humor negro e violência. Para se ter uma ideia, as revistas influenciaram gente do calibre de Stephen King, John Carpenter, George Romero e Steven Spielberg.

Shock Suspentories trazia contos sobre crimes, e lidava com temas extremamente tabu na época, como sexo, drogas e racismo. Frontline Combat e Two-Fisted Tales eram revistas de guerra, de tom pessimista, anti-bélico e com tramas que fugiam do maniqueísmo, diferente do teor heróico pelo qual o tema geralmente era tratado. Bill Gaines, um grande entusiasta de ficção científica, sempre declarou que a linha dedicada a esse tema era sua preferida, através de Weird Science e Weird Fantasy.

A EC Comics ia muito bem até que em 1954, o psiquiatra Fedric Wertham o livro Seduction Of The Innocent, onde ele compilou entrevistas feita com jovens criminosos em instituições correcionais e que revelavam um aspecto comum entre os garotos: Todos eram leitores de histórias em quadrinhos. Em uma conclusão precipitada, Wertham, que já havia publicado artigos alertando aos pais sobre o conteúdo dos gibis, acusou as HQs de serem grandes responsáveis pela delinquência juvenil. Um novo inimigo estava declarado. Preocupado, Gaines propôs que todas as publishers se reunissem para evitar que essas imposições morais prejudicassem a liberdade editorial das revistinhas, e assim nasceu a Comics Magazine Association um verdadeiro tiro pela culatra que acabou se revelando um órgão de censura, através do Comics Code Authority (CCA), e sua série de restrições às publicações em troca de um selo de aprovação, para garantir a tranquilidade dos pais. Algumas das exigências consistiam em não usar as palavras "estranho", "horror" ou "terror" nas capas. A luta entre o bem e o mal devia ficar bem definida, com o primeiro sempre vencendo o segundo. Estavam banidas ilustrações chocantes de vampiros, demônios, caveiras, zumbis e outros monstros, além de qualquer tipo de conteúdo violento. Ou seja, proibiram tudo que fazia o nome da EC Comics. Furioso, Gaines acabou se retirando da CMA, que ele próprio ajudara a fundar.

Apesar da luta de Bill Gaines contra a censura, a EC Comics acabou derrotada e teve que parar de produzir suas famigeradas revistinhas, adaptando outras publicações para que recebessem o selo da CCA. Mesmo assim o legado da editora é imensurável. O formato de antologias de terror, sempre com um final chocante e inesperado, inspiraria inúmeros filmes nos anos 70 e 80. O estilo de desenho tornaria-se referência tanto nos quadrinhos quanto no universo de terror, sendo homenageado em capas de discos, artes e pôsteres de cinema. Na década de 90, a HBO lançou a série Contos da Cripta, com adaptações de histórias publicadas pela EC Comics. O programa foi um sucesso, conseguindo reproduzir o estilo e padrão de qualidade pelo qual as revistas sempre prezaram.

O boneco Cryptkeeper, que apresentava a série da HBO
Em 2008, a Gemstone Publishing lançou a EC Archives, uma compilação da linha fantástica da EC, publicadas nos anos 40 e 50, encadernada, recolorida e com prefácio de medalhões como John Carpenter, R.L. Stine, George Lucas, John Landis, Robert Englund, entre outros. O projeto foi encerrado em 2013, mas a editora Dark Horse assumiu a bronca e segue com os relançamentos das clássicas revistinhas. Se alguém quiser um dia me presentear, eu aceito de bom grado! Não há nenhuma versão brasileiras das HQs, mas é possível importar pela Amazon, Ebay ou pelo próprio site da Dark Horse.

Depois de perder a batalha contra a censura, Gaines decidiu investir em outra publicação clássica da editora: MAD, a maior revista de humor de todos os tempos, da qual foi editor até sua morte em 1992. Mas isso é história para outro post.

Disco da Madrugada: Tom Waits - Closing Time (1973)

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Hoje Tom Waits pode ser mais famoso por seus discos experimentais, anti-convencionais e transgressores, mas seu começo de carreira não foi bem assim. Parte do cast do selo Asylum, que abrigava artistas de soft-rock e folk como Eagles, Jackson Browne e Linda Rondstadt, Waits estreia em estúdio com um trabalho repleto de baladas jazzísticas calcadas no piano e arranjos minimalistas. O álbum cai perfeitamente na noite. É uma trilha sonora não oficial das madrugada. Quase um disco conceitual, desde a belíssima capa e título até as letras, tipicamente setentistas, evocando toda a poesia urbana de Waits, e botando mais um prego no caixão de toda a euforia e otimismo do Flower Power. Soldados morriam aos montes no Vietnã, a heroína invadia as ruas, Charles Manson, o hippie mais célebre havia comandando uma matança sem precedentes. O começo dos anos 70 marcou o êxodo urbano do rock, e as canções bicho-grilo sobre natureza, amor livre e lendas folclóricas deram lugar à histórias de bêbados, prostitutas, viciados, mendigos e todas as demais personagens da cidade grande. Closing Time é assim. Soa triste sem ser depressivo. Melancólico e bonito, elegante e marginal. Em meio à fumaça de cigarros, copos de bebida e cheiro de urina, Tom Waits canta sobre amor, solidão, sexo e relacionamentos fracassados. Dá voz aos perdedores e outsiders com um sarcasmo e toque humorístico únicos e uma interpretação doída e sincera, distante de suas performances debochadas e quase guturais dos anos 80.  Dê o play e curta sem pressa, é uma ótima companhia.


Playlist TF - Queen

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O Queen é uma banda incomparável. Foi do hard setentista ao pop dançante passando com excelência pelo metal, progressivo e rock de arena. Tudo isso soando extremamente original e inimitável e com uma discografia bastante consistente, salvo pouquíssimos tropeços (alô Hot Space). Como se não bastasse, ainda contavam com o melhor frontman da história do rock, um guitarrista genial e de timbre único, um baixista que compunha brilhantemente e um batera que soava diferente e ainda tinha uma ótima voz.

A banda sabia como poucos aproveitar os recursos do estúdio, trabalhando duro na produção do discos e sendo inovadora nos overdubs de vozes e guitarras e usando tudo o que tinham em mãos para incrementar seu som. O mais incrível é que ao vivo eles não deixavam barato e graças as performances e o carisma de Freddie Mercury faziam um dos shows mais apoteóticos já vistos.

Fiz essa playlist que abrange a extensa e variada carreira do Queen, passando por todas as suas fases. Recomendo uma ouvida em toda a sua discografia, mas para quem está começando a se aventurar pelo trabalho da banda, essas 20 faixas são uma boa pedida. Divirta-se!

 


Ajude um Gamer - This War Of Mine

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Jogo videogames desde criança. Comecei aos quatro ou cinco anos no Super Nintendo de um primo e nos joguinhos de DOS do Pentium 365 que meu pai comprou lá em meados dos anos 90. Mas na corrida das placas de vídeo potentes, processadores velozes e consoles de última geração, sempre saí perdendo. Meu primeiro videogame próprio foi comprado aos 21 anos. Um Xbox 360 em seus últimos anos de relevância. Meus computadores sempre tiveram configurações modestas, mas isso nunca me impediu de me divertir. Por esse motivo e tomando inspiração no sensacional post da Vice, resolvi criar uma seção para indicar jogos bons, baratos e que rodam sem problemas em qualquer máquina mais modesta. Vocês vão ver que não é preciso gastar uma fortuna pra poder se divertir nesse mundo tão viciante.


Para estrear essa seção, começo recomendando This War Of Mine. Um jogo de guerra diferente de qualquer outro título do gênero. Dessa vez você não vai comandar pelotões, nem controlar soldados ou matar hordas de inimigos. Seu papel é comandar um grupo de civis cujo único objetivo é sobreviver ao inferno da guerra. A proposta da desenvolvedora 11Bit Studios é justamente essa: Mostrar que em um conflito armado não existe apenas os soldados. Os cidadãos comuns também sofrem e muito, e passam provações até maiores, mesmo não estando na linha de frente do combate.

O jogador começa com três sobreviventes, cada um com sua personalidade, suas virtudes e fraquezas, refugiados em uma casa abandonada. Os recursos são escassos, e a comida, remédios e demais provisões são mínimos. Durante o dia não dá para sair, com o risco de ser atingido por um franco-atirador. Você deve vasculhar a casa por recursos, e usá-los para construir o que for possível para tornar a vida no mínimo suportável. Quando chega a noite, é hora de definir quem vai ficar de guarda, quem irá descansar e quem vai sair pela cidade à procura de suprimentos. No papel pode parecer tudo muito monótono, mas acredite, o desafio é enorme. As possibilidades são inúmeras e a situação pode desandar de uma hora para a outra rapidinho. Além do risco de seus comandados morrerem de fome, frio, desidratação, doença e ferimentos, o fator psicológico também é vital. Por exemplo, nessas caçadas noturnas, você pode dar de cara com militares, bandidos ou apenas outros sobreviventes na mesma situação que a sua. Se o seu "caçador" for morto, isso afetará os demais, deixando-os deprimidos e com medo de saírem do abrigo, correndo o risco de também serem mortos. Se a pessoa não achar uma distração ou fizer algo que dê uma renovada nos ânimos, pode acabar se afundando na depressão e cometendo suicídio. Sim, é pesado.



Suas escolhas sempre interferem no restante da história. Qualquer decisão tomada pode ser fatal, e elas não são nada fáceis. Em alguns momentos o jogo te coloca em situações extremas. Por exemplo: toda a comida do abrigo e das redondezas pode acabar, e a única maneira de seus sobreviventes não morrerem de fome, é roubando comida de um casal de velhinhos, que imploram para que você não o faça. Aí só existe dois caminhos. Tentar encontrar outra fonte de alimento, correndo o risco de os civis não suportarem a fome, ou roubar dos velhinhos, o que deixará os mais sensíveis do grupo deprimidos. No decorrer do jogo, outras pessoas podem aparecer no abrigo tentando trocar suprimentos, pedindo ajuda, ou até mesmo um lugar para ficar. A decisão é sua. Mais gente significa mais bocas para alimentar, mas também é mais mão-de-obra para defender o abrigo e procurar recursos.

This War Of Mine proporciona uma realidade muito humana, é uma experiência completamente imersiva. O jogador fica tão envolvido com as personagens, que mesmo sabendo que é apenas um game, essas escolhas e situações acabam mexendo com você. Os gráficos têm um toque artístico, como se tivessem sido desenhados à lápis, o que dá um contraste bem interessante entre luz e sombra, contribuindo para a atmosfera sombria. As rejogabilidade é bem grande, já que cada partida é completamente diferente da outra, com personagens e acontecimentos aleatórios, que proporcionam uma história totalmente nova.

This War Of Mine está disponível na Steam por R$ 36,99. É um pouco caro se levarmos em conta que sempre têm promoções por lá e os preços caem bastante, mas caso tiver pressa, pode comprar sem medo que vale muito a pena, não só pela qualidade do jogo mas pela alta rejogabilidade. Além de ser dificílimo chegar ao final, quando se termina dá vontade começar outra campanha só para ver uma história diferente e enfrentar novos desafios.

Disco da Madrugada: Phil Upchurch - Darkness, Darkness (1972)

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Sou um apaixonado pela madrugada. Para mim não existe hora melhor para conversar, ver um bom filme, escrever, jogar, e obviamente ouvir música. Como tenho um gosto musical bastante extenso, e basicamente uma relação quase doentia com esse universo, quando vai chegando a uma certa hora, gosto de ouvir apenas um determinado tipo de som, mais calmo, sem muito barulho, sem muita energia. Tenho sempre em mãos uma discoteca básica que ponho para rodar nesses momentos, por isso resolvi criar essa seção para compartilhar esses álbuns com você, leitor, que também aprecia curtir um som tarde da noite.


Phil Upchurch foi um rodado músico de estúdio nos anos 60 e 70 que tocou com gigantes da música pop do período, entre eles B.B. King, Curtis Mayfield, Stan Getz e Quincy Jones. Em 1967, formou o grupo Rotary Connection, que seria o responsável pela sonoridade de Electric Mud, disco que ressuscitou a carreira do veterano Muddy Waters. Darkness, Darkness é seu sétimo trabalho solo, e sem dúvida o auge do guitarrista. Uma agradável mistura de soul, blues e jazz. Os excelentes músicos criam uma parede sonora com arranjos caprichadíssimos, servindo de apoio para que a guitarra funkeada e cheia de wah-wah de Upchurch brilhe e contagie o ouvinte desde o início. As faixas são longas, mas a performance é tão acima da média que quando se dá conta o disco já está no final. Passa voando. Mas o esquema aqui é na manha, pra ouvir sem pressa. Os músicos parecem estar divertindo em uma agradável e descompromissada jam. A sensação é de se estar ouvindo um grupo tocando em um clube de jazz americano, durante uma madrugada chuvosa. Apesar de trazer várias versões de outros compositores - e algumas de autoria própria - o disco é todo instrumental, o que é uma ótima pedida caso você esteja procurando apenas uma trilha sonora para trabalhar ou se concentrar.